Meu primeiro voo: Pelos ares, transporte ajuda a salvar vidas de bebês prematuros 02/04/2014 - 10:40
Cristiane Sabadin
Mesmo quando se vê de longe, do lado de fora, pela transparência do vidro, as UTIs neonatais carregam consigo um ar angelical. Mesmo que cada bebê que estiver em alguma daquelas incubadoras tenha deixado o útero materno antes do tempo e estejam passando por momentos cruciais, essas UTIs representam vitória e muita esperança. É a vida pulsando, em pequenas gramas.
Se o coração de uma mãe fica apertado ao ter que acompanhar o filho, tão pequeno, tão indefeso, envolto em aparelhos, medicamentos e cuidados médicos porque nasceu antes da hora, deixando toda a família preocupada, imagine como é encarar a realidade de ter que continuar o tratamento em outro hospital, em outra cidade? Foi assim desde o início de 2014 para 12 famílias do Sudoeste. Só no mês de março, oito pais e mães tiveram que ver seu filho prematuro viajar pelos ares para ter o atendimento mais adequado.
Solange Retka, 34 anos, precisou enfrentar na primeira gravidez o fato de seu filho ser prematuro e logo após o nascimento, ter que ser atendido em outra cidade, outro hospital. A gestação de Solange sempre foi considerada de risco, afinal, o bebê não ganhava peso dentro do útero. Por isso, desde o dia 26 de fevereiro, ela passou a ser atendida pelo Hospital Regional do Sudoeste Walter Pécoits, em Francisco Beltrão. O parto ocorreu após o rompimento da bolsa, dia 13 de março. Em seguida, dia 14, o pequeno Samuel precisou ser encaminhado a Cascavel, para que tivesse internamento em uma UTI neonatal. Ele nasceu com 1,526 quilos.
Eduardo Cioatto, diretor geral do Hospital Regional do Sudoeste, diz que a instituição mantém hoje dez leitos de UTI neonatal. Sete são habilitados pelo Ministério da Saúde, e outros três estão na espera. No entanto, para atender a demanda, o hospital está com os dez leitos ativados. Aliás, até ontem, a UTI neonatal estava lotada.
O serviço de transporte aéreomédico atende a região desde novembro de 2013, mas em janeiro deste ano é que realmente foi efetivado. Segundo Eduardo, quando a capacidade máxima é atingida, como normalmente ocorre, e existem outros recém-nascidos para serem levados à UTIinicia a mobilização pela transferência. Mas enquanto o translado não chega, os bebês são assistidos de forma eficiente. “Parte deles fica na emergência aguardando vagas, sob cuidado médico, no ventilador, no monitor, no entanto, não ficam no ambiente de UTI neonatal. Semana passada tínhamos 16 crianças, três dessas ficaram na emergência e outras três no centro-cirúrgico. Tivemos que dividir o atendimento. Elas recebem o mesmo atendimento, mas não é local adequado.”
Busca por vagas
Logo que a UTI neonatal do Regional, que, aliás, é a única habilitada para atender os 27 municípios que abrangem a 8ª Regional de Saúde, fica com sua capacidade máxima, é hora de procurar outros locais para que os prematuros sejam atendidos. Como diz Eduardo, a partir da 11ª criança “começa a busca de vagas por leitos fora do regional”. O primeiro contato é com hospitais da região de Francisco Beltrão e Pato Branco. Não havendo vagas, a busca passa a ser macrorregional, englobando hospitais de Cascavel, Foz do Iguaçu e Toledo. Se ainda assim não houver vagas em UTI neonatais é necessário ir ainda mais longe, recorrendo a chance de vagas em todo o Paraná.
Lógico que o melhor para a família do bebê é que a vaga seja mais próxima possível. Mas nem sempre é o que acontece. Nos últimos dias, o HRS fez o transporte aéreo de três bebês prematuros: um caso foi internado em Cascavel e o outro, de gêmeos, foi para União da Vitória.
Sistema logístico do aéreomédico
O Estado do Paraná possui um sistema de transporte aéreomédico feito por helicóptero e avião. Em viagens mais curtas em que autonomia de voo é de mais ou menos duas horas, é usado o helicóptero. Para viagens mais longas, o avião é acionado. No caso da microrregião de Francisco Beltrão, o serviço está alocado na base do Samu em Cascavel, onde fica a aeronave.
No helicóptero, além do bebê, que irá acomodado em uma incubadora especial, viajam o piloto, um enfermeiro, o médico e um técnico de enfermagem. Os pais, de fora, vivem a segunda angústia: ver o filho prematuro enfrentar essa viagem, com tão poucos dias de vida. Por questão de logística da aeronave e pela própria segurança do recém-nascido, a família faz a viagem de carro, que pode ser particular ou cedido pelo município. O diretor do HRS entende o sofrimento desses pais e mães e, por isso, oferece suporte, inclusive, psicológico.
O helicóptero pousa no próprio hospital, justamente para facilitar a logística. Os últimos bebês transportados pelo transporte aéreo saíram do Regional para outros hospitais do Estado.
Equipe médica da UTI neonatal
A equipe é composta praticamente por 40 profissionais nos quatro turnos. São seis enfermeiros, de 25 a 30 técnicos (depende da escala), nove pediatras (quatro intensivistas neonatologistas). “Sempre haverá na UTI neonatal dois médicos, um pediatra e um intensivista neonatologista, durante as 24 horas”, explica Eduardo. Também há os profissionais de apoio: psicólogo, assistente social, fisioterapeuta e fonoaudiólogo.
A certeza do retorno
Saber que seu filho foi levado para longe por um bom motivo acalma o coração de toda mãe. Mas a notícia de que logo que ele deixe a UTI neonatal, possa retomar o tratamento no hospital próximo de casa, é ainda mais acolhedora. Conforme Eduardo, este é um acordo feito entre Hospital Regional e as mamães de prematuros. “Assim que o bebê estiver mamando, fora da UTI, admitimos a criança de volta no Regional, em Beltrão, perto de casa. Internamos na maternidade para que o bebê cresça, engorde e enfim possa dar alta.”Foi o que aconteceu na manhã deste sábado, 29, com Solange, mãe do Samuel. Depois de duas semanas de tratamento em Cascavel, ele retornou ao HR apenas para ganhar peso. Hoje com 1,720 kg, o bebê é um vitorioso e deixa a mãe cada vez mais orgulhosa. “Samuel está bem, fez todos os exames e deu tudo normal. Só precisamos ficar na maternidade para ele ganhar peso e então irmos pra casa”, conta.
Solange e seu filho Samuel de volta à maternidade do Hospital Regional.
O medo do desconhecido
Mães são guerreiras e fortes por natureza. Lidam em um dia com o nascimento do filho prematuro e no outro os embarcam em aeronaves. Apesar de todo o aparato médico, Nadya entende a angústia da família. “As mães têm medo por que têm medo do desconhecido. Teu filho é prematuro, está indo pra outro hospital e vai andar de helicóptero? Imagine a cabeça delas, fica uma loucura. Mas explicamos que o transporte é muito rápido, até Cascavel, por exemplo, 40 minutos, enquanto você de carro, pode levar até três horas de viagem.”
Nestes últimos dias, outra mãe viveu essa experiência no HR. Seus filhos, dois meninos, tiveram que ser transferidos para União da Vitória. Como no helicóptero só há espaço para uma incubadora, o irmão precisou esperar e viajar no dia seguinte. A experiência, com certeza, é única e diferente para cada família. Solange, a mãe do Samuel, teve as duas sensações: ver o filho viajar nas alturas e depois retornar com eles nos braços para Francisco Beltrão.
A primeira sensação é de puro nervosismo, ansiedade mesmo, como ela comentou já na maternidade. “Foi difícil ver ele partindo sozinho, e depois lá em Cascavel, tudo novo, hospital diferente. Fui bem atendida, mas mesmo assim, chorei muito. Voltar pra casa é muito bom.”
Aliás, de Cascavel para Beltrão, a família viajou de carro, até porque não haveria espaço no helicóptero. Mas Solange afirma, que mesmo que houvesse, não teria coragem. “Meu filho é um herói, já tem muita história pra contar. É mais corajoso que a mãe (risos).”
Aeromédico e os prematuros
“Eles têm uma incubadora especial, vão até o local onde está a criança, colocam ele dentro, com todas as medicações, com as bombas, e então levam para o helicóptero para o transporte. É muito eficiente este serviço”. É assim que a médica intensivista neonatologista Nadya Giselle de Almeida Silva se refere ao transporte aéreomédico.
Para ela, o bebê prematuro precisa ser tratado de modo bastante particular e especial, desde o momento do parto. E a situação de ter que transferi-lo para outro hospital, em outro município, é mais uma etapa de um serviço que tem que cumprir sua excelência. Ou seja, se não há vagas de UTI neonatal no hospital em que foi feito o primeiro atendimento, o bebê será transportado em segurança para dar continuidade ao tratamento. “Salvo as questões climáticas, o serviço é rápido. Não deixamos aqui, porque não é ideal ter um bebê que precisa de UTI neonatal em um leito improvisado. As mães acabam entendendo que é o melhor para eles.”
"Na UTI neonatal você vê uma criança que chegou mal evoluir, e na maioria das vezes, sair bem. É vida, é gratificante ver os casos", diz a médica Nadya Giselle.