DR KIT, UM HOMEM DO FUTURO 23/09/2013 - 12:10
Médico, aviador, empreendedor, escritor, professor e missionário da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outras atividades. São muitos os atributos desta figura brilhante que foi o Dr. Kit Abdala. Profundo conhecedor da natureza humana, a qual entendia como poucos. E como também como poucos, viveu intensamente seus 84 anos.
Em início de carreira, após estágio em faculdades de medicina dos EUA, o jovem médico, promissor, fixou-se em Francisco Beltrão, para a sorte do sudoeste paranaense. Aqui era a sua base e aqui fincou raízes. Porém, sua personalidade era inquieta. Não contente em revolucionar a medicina da região, com tratamentos novos para a época, como o combate ao câncer de colo uterino e o uso da laparoscopia, foi além. Cruzou o mundo de leste a oeste e de norte a sul, literalmente. Talvez o gosto pelas viagens tenha sido herança de sua origem libanesa, que nos remete aos fenícios, desbravadores dos mares. Foram mais de cem países visitados, ora como professor, ora como representante mundial do Lions, ora como simples turista. E mais, muitas destas viagens eram feitas com o seu próprio avião, mas não como passageiro, como acontece hoje pelo mundo dos executivos, e sim como piloto. Como professor de cirurgia da OMS conheceu vários países da África e da Ásia, e como era de sua natureza, se dedicou a fundo nestas missões, deixando muitas vezes de lado seus afazeres privados. Certa vez foi convidado para abrir o congresso de cirurgia da mais respeitada sociedade de cirurgiões do mundo, a American College of Surgeons, honraria oferecida a poucos fora dos Estados Unidos. E é claro falando em inglês, idioma que dominava como poucos. Também andou pelo mundo como embaixador do Lions, organizando e criando clubes de serviço pelo mundo, em locais tão diversos e distantes de Francisco Beltrão. Mas sempre retornava a esta terra, que a adotou como sua casa e que cujo povo o adotou como celebridade querida.
Estes feitos do Dr. Kit se passavam numa época em que viajar pelo mundo era muito diferente de hoje, era uma verdadeira aventura. A globalização de hoje tornou o mundo menor, porém na época era uma palavra que não existia: internet, telefone e celular nem pensar. O mundo de então, com certeza, poderia nos parecer algo monótono para os dias de hoje, mas não para o Dr. Kit. Intelectual, adorava conferencias e palestras, aceitando convites pelo mundo afora. Era só chamar e ele já partia, deixando tudo. Pegava seu PT-KIT e voava atravessando continentes. Romântico inveterado e grande namorador, Dr. Kit adorava a companhia das mulheres, onde era um verdadeiro gentleman e por isso mesmo adorado por elas. Um verdadeiro cidadão do mundo.
Todas estas histórias, todas estas aventuras, qualquer um pode ler em seu livro, Um Médico Pelos Caminhos do Mundo. Porém, quando você é o interlocutor do próprio autor, ai é uma verdadeira honra. Tive o privilégio de conviver com este grande homem, por mais de três anos, quase diariamente, sempre cheio de vida para seus 80 anos. Seu dia iniciava antes das 7h, quando chegava ao centro cirúrgico do Hospital Regional do Sudoeste para suas cirurgias. Após, quando ele saia dali, já quase perto do meio dia, ia direto para a minha sala, conversar sobre medicina e sobre tudo, contando suas experiências e aventuras para um ouvido atento e orgulhoso de estar com uma verdadeira lenda da medicina brasileira. Muitas de suas ideias, em particular no que toca a humanização do atendimento, foram colocadas em prática no funcionamento do Hospital Regional, e tudo de uma maneira muito natural e convincente. Mas após tomar um cafezinho em sua própria caneca (não gostava dos copos descartáveis) e às vezes uma cuia de chimarrão, pegava o Jornal de Beltrão e saia da sala. E eu, muitas e muitas vezes, ficava ali pensando em minha sorte de ter um grande amigo e um grande conselheiro, com uma visão do mundo totalmente diferente da nossa época atual, uma visão romântica e pacifica, em que as pessoas vinham antes das coisas. E quando nos recebia em sua casa, então, Dr. Kit era um verdadeiro anfitrião. Sua sala era um museu particular. Obras de arte, peças de antiquários internacionais, muitos presentes recebidos de autoridades, entre elas, chefes de estado de países da África e da Ásia pelos serviços prestados a frente da OMS. Havia um destaque especial: uma grande estátua de madeira de lei recebida pelo governo Comunista da China, por ter realizado a primeira cirurgia laparoscópica no país. Isto em plena era da Guerra Fria, numa China fechadíssima ao Ocidente. Até patas de elefante, honraria dedicada a grandes celebridades, o Dr. Kit recebeu de um antigo ditador africano pelos seus serviços.
Só tenho a dizer que foi um grande privilégio ter convivido com este grande homem. E para os colegas que também tiveram este prazer, só temos a agradecer esta honra e lembrar sempre de seus ensinamentos e da sua grande virtude, que era justamente a humildade. Para quem foi tudo o que foi e ainda ter a virtude da humildade, é mais do que merecedor de todas as nossas condolências. Obrigado, Dr. kit, por ter estado entre nós.
“Quando uma luz se apaga, fica muito mais escuro do que se nunca tivesse brilhado” – John Steinbeck